As garantias
O instituto da garantia, adotado de forma compulsória pelo comércio (tanto para produtos quanto para serviços), tem como objetivo maior, uma distinção no mercado de consumo extremamente concorrente e apresentado pelo marketing/propagandas como um diferencial no mercado.
Entretanto, em observância à interpretação jurídica do Código de Proteção e Defesa do Consumidor – CDC – Lei n.º 8.078/90, o conceito de garantia é mais abrangente e pouco conhecido fora do ambiente jurídico. É importante saber distinguir as duas formas de garantia, propiciando a adequada aplicação na norma e cessando o risco de perda de um direito.
A garantia legal é aquela prevista no art. 26 do CDC, em 30 ou 90 dias. Tal disposição impera sob qualquer relação de consumo estabelecida pelas partes (consumidor final/fornecedor) independentemente de previsão contratual ou declaração formal. Esta condição afasta qualquer disposição contrária eventualmente descrita pelo fornecedor, em qualquer caráter ou pelos conhecidos contratos prontos ou de adesão previstos no art. 54 do CDC. Nada pode reduzir ou condicionar tais prazos. É um direito disponível pelo consumidor, mas não oponível unilateralmente pelo prestador de serviços/fornecedor de produtos.
Já a garantia contratual, prevista no art. 50 do CDC, por sua própria natureza, decorre de uma vontade adicional e não obrigatória ao fornecedor. Esta forma garantidora difere da garantia legal no que tange à ocorrência de restrições. O produto ou serviço não mais estará apenas sob a proteção do art. 26, mas adicionalmente pelo descrito nos arts. 30 ao 35 do CDC. Os prazos sempre serão somados.
A divergência interpretativa ocorre quando da concessão de garantia contratual que se somam com os prazos compulsórios do art. 26. Uma vez concedida a garantia contratual, esta deverá somar-se ao prazo legal. Tal entendimento decorre da proteção contratual conferida aos consumidores pelo CDC que elenca no art. 47, em que as cláusulas contratuais devem ser interpretadas de maneira mais favorável ao consumidor.
Uma simples cláusula contratual que oferte garantia de 12 meses em um produto, resultará em 15 meses de garantia caso o fornecedor não expresse que concede 9 meses de garantia contratual (art. 50) que se somam aos 3 meses de garantia legal e compulsória (art. 26). Outro ponto de conflito interpretativo está na análise cumulativa entre os arts. 18 e 26 CDC. O legislador determinou que os fornecedores de bens de consumo duráveis ou não duráveis respondem solidariamente pelos vícios de qualidade, dentre outros, que seus produtos ou serviços venham a apresentar. Surge, desta maneira, uma limitação na combinação de tais artigos (18 e 26). Uma vez que o consumidor está automaticamente protegido pela garantia legal, todo e qualquer parte envolvida na cadeia de fornecimento (entre o fabricante/comerciante/assistência técnica/entregador) é solidária, podendo o consumidor acionar à sua escolha todos ou apenas um (sempre atento às peculiaridades do caso).
Um exemplo clássico de exceção é a compra de produto feita pela internet diretamente no site do vendedor e a entrega feita por um terceiro (escolhido pelo consumidor). Se há uma falha na remessa/entrega, não há solidariedade do vendedor, neste caso. Frise-se também que uma vez esgotado o prazo da garantia legal (art. 26), responderá pela garantia adicional contratual (art. 50), somente aquele que a ofertou (restringindo a solidariedade).
A garantia legal sempre será revalidada em um mesmo produto ou serviço quando ela for utilizada. Assim, ao se retirar o bem ou reparar o serviço em garantia, inicia-se novo prazo legal de garantia (art. 26), apenas para aquele problema reparado. Importante destacar que não se renova por novo prazo legal a garantia sobre todo o bem ou serviço. Apenas sobre o item/parte que foi reparado em garantia. Demais partes/itens do produto/serviço que não apresentaram vícios, continuam com seus prazos de garantia fluindo desde a entrega. Portanto, a garantia se renova somente sobre a parte viciada e reparada em garantia.
Entretanto, para que toda esta interpretação tenha validade jurídica, deverá o consumidor ter a condição/meio de provar seu direito, minimamente. Isso se faz mediante comprovação de compra/contratação do produto ou serviço por nota fiscal, recibo, comprovante de entrega ou instrumento hábil probante da relação de consumo. Somente desta forma haverá forma segura de contagem do termo inicial da transação para efeitos decadenciais e prescricionais.
No que concerne aos vícios ocultos, sendo este constatado no período de durabilidade do bem ou serviço (nunca inferior à vida útil – algo ainda subjetivo e não regulado no Brasil), é direito do consumidor valer-se das garantias que constam dos incisos I, II e III do § 1.º do art. 18 da Lei 8.078/90 (a substituição do produto por outro da mesma espécie, em perfeitas condições de uso/a restituição imediata da quantia paga, monetariamente atualizada, sem prejuízo de eventuais perdas e danos/o abatimento proporcional do preço), sempre em consonância aos prazos estabelecidos no art. 26 do CDC.
Devemos nos atentar que o termo inicial para a contagem do prazo da garantia, é decadencial, conforme previsto no § 1.º do art. 26 do CDC. Uma vez constatado o vício aparente, o prazo decadencial já estará contando desde a efetiva entrega do bem ou quando do fim da prestação do serviço. Já para o vício oculto, o cômputo do prazo decadencial começa no momento em que ficar evidenciado o defeito.
Posto isso, interrompe a decadência, a efetiva e comprovada reclamação do consumidor perante o fornecedor/prestador de serviços (via ordem de Serviço, protocolo, e-mail/SMS/WhatsApp ao SAC, Aviso de Recebimento dos Correios ou forma similar) ou ação judicial. Reclamação administrativa em órgãos de proteção ao consumidor (mesmo que oficiais como PROCON ou Ministério Público) não interrompem, ante o veto ao inciso II do §.º do art. 26 do CDC. Assim, estará resguardado tal direito enquanto o fornecedor/prestador não solucionar o problema ou apresentar resposta negativa com razões/fundamentos. Ressalte-se que, havendo a formalização de resposta negativa, o tempo de resposta usado pelo fornecedor/prestador não deve ser computado para reduzir o tempo de garantia. Isso tem a finalidade de se evitar o ato protelatório ou de má-fé.
Conclusão- A legislação de proteção e defesa do consumidor visa o exercício da cidadania, garantindo os direitos dos consumidores e compelindo órgãos de defesa das relações de consumo a atuar e coibir tais práticas e afastar interpretações equivocadas da norma.
Os consumidores devem buscar o direito aqui referido no intuito de coibir a continuidade das referidas práticas que tentam afastar a garantia. Somente assim haverá equilíbrio nas relações consumeristas e efetivo desenvolvimento da educação para o consumo, conforme dispõe o art. 4.º da Lei 8.078/90.