Mais uma vez o interesse das empresas vence, em detrimento do interesse coletivo.
No dia 08 de junho de 2022 a Segunda Seção do Superior Tribunal de Justiça decidiu em Embargos de Divergência que o rol de procedimentos e eventos em saúde suplementar é taxativo e não exemplificativo. Ou seja, qualquer procedimento não constante no rol da Agência Nacional de Saúde (ANS) não será obrigatoriamente coberto pelo plano ou seguro de saúde. O lobby das empresas de saúde foi mais forte do que o apelo popular dos consumidores.
Sob o argumento de que as empresas de seguro e planos de saúde precisam ter segurança jurídica e responsabilidade social por 05 votos a 03 definiram que o rol apresentado pela ANS é taxativo, ou seja, os procedimentos ali constantes são exatamente os que devem ser cobertos pelas empresas de saúde.
Absurdamente existe uma série de doenças, tratamentos, procedimentos, medicamentos já conhecidos e que não constam no referido rol da Agência Reguladora. Decerto que esse rol pode e deve sofrer alterações de tempos em tempos com o acréscimo de novos procedimentos, mas quem garante que o mesmo lobby não vá se fazer fortemente presente aí para que não haja inclusão?
De forma geral os votos dos Ministros do STJ satisfizeram o interesse das empresas de saúde em detrimento dos anseios da coletividade. Aliás, nos últimos dias, têm sido constantes as notícias favoráveis a esses grupos, trazendo graves prejuízos aos consumidores que se veem mais abandonados. São os reajustes em percentuais acima da inflação anual, sem contar os aumentos proporcionais às alterações de faixas etárias quando, não raro, praticamente dobram. E a qualidade da prestação serviço ficando cada vez mais comprometida, seja por muito tempo de espera nos serviços pronto atendimentos, casos de demora e burocracia para autorização de procedimentos, cirurgias entre outras situações.
As notícias dos lucros que as empresas desse setor recebem em seus balanços , são assustadoras e mesmo assim os argumentos técnico-jurídicos apresentados nos votos dos Senhores Ministros , chegam a iludir os menos atentos, de tão bem entabulados, mas que escondem uma insensibilidade enorme, no tocante ao que esteja realmente ligado ao social e humano.
Assistindo a manifestação de cada Ministro, uma nos chamou muito a atenção por ter de forma clara, refletido os anseios dos consumidores e que reproduzimos neste ato ,que é o voto do vencido do Ministro Moura Ribeiro:
“Estamos diante da responsabilidade social da empresa e diante da reponsabilidade social da empresa não posso deixar de lembrar o ensinamento de Dona benta no Sítio do Pica-Pau Amarelo nona uma letra mágica Monteiro Lobato ela nos diz que ‘o mundo é habitado por homens e não por Anjos’, essa é a minha grande preocupação nessa toada senhor presidente, meu voto pelo pacto Internacional sobre os direitos sociais culturais econômicos de 1966 que estabelece a necessidade de toda a pessoa desfrutar do mais elevado nível de saúde física e mental , depois faço uma incursão pelos artigos 6º da nossa Constituição , 193 da Constituição, 200 da nossa Constituição e em seguida enveredo pelo Estatuto da Pessoa com Deficiência, que não vou evidentemente mencionar. Meu volto vem escudado viva doutrina que também trouxe a colação e em última análise, se há CID há reconhecimento da doença, então há necessidade do tratamento. Por isso senhor presidente pensando né, no Sítio do Pica-Pau Amarelo em que a inseminação que nós trouxemos aqui, um caso em que eu fiquei vencido com muito gosto, a inseminação artificial foi tratada como gênero de reprodução humana artificial, e nós assim nos quedamos. Então, tenho para mim Senhor Presidente, que neste caso, por causa disso, o rol deve ser exemplificativo. Esclareço mais uma coisa Senhor Presidente, depois de ouvir o voto do ministro Salomão, achei que o voto do ministro Salomão era irrespondível, entretanto no domingo, quando eu voltei para cá para Brasília, ligo a televisão e vejo um caso de uma criança que precisava de um medicamento que não estava o tratamento também não estava previsto e as famílias e a comunidade teve que se juntar para pagar e custear o remédio caro para esta criança. Então senhor presidente, assim pensando, eu achei opção que o voto Ministro Cueva foi um meio de campo, sem dúvida alguma, mas esse ainda essa taxatividade modulada me parece preocupante, assim como também escreveu o Ministro Sanseverino. Nessa toada Senhor Presidente pedindo vênia à maioria eu acompanho a divergência de inaugurada pela Ministra Nancy Andrigui e em seguida pelo ministro Paulo de Tarso Vieira Sanseverino. Muito obrigado Senhor Presidente!” Os grifos são nossos.
O resultado da Segunda Seção foi de 05 votos a três a 03 no seguinte sentido:
1– “estabelece de procedimentos e eventos em saúde suplementar é em regra em regras de taxativo;
2– a operadora de plano ou seguro de saúde não é obrigado a arcar com tratamento não constante do rol da ANS, se existir para cura do paciente, outro procedimento eficaz e efetivo e seguro já incorporado ao rol;
3– é possível contratação de cobertura ampliada ou a negociação de aditivo contratual para a cobertura de procedimento extra rol;
4– não havendo substituto terapêutico ou esgotados os procedimentos do rol da ANS pode haver, a título excepcional, a cobertura do tratamento indicado pelo médico ou odontólogo assistente, desde que:
1– não tenha sido indeferido expressamente pela ANS a incorporação do procedimento ao rol da saúde complementar
2- para comprovação da eficácia do tratamento à luz da medicina baseada em evidências;
3– haja recomendações de órgãos técnicos de renome nacionais como CONITEC e NATJUS e os Estrangeiros;
4– seja realizado, quando possível, o diálogo interinstitucional do Magistrado com entes ou pessoas com expertise técnica na área da saúde, incluída com a missão de atualização do rol tem procedimentos em eventos em saúde suplementar, sem deslocamento da competência do julgamento do feito para a justiça federal, ante a ilegitimidade passiva ad causam da ANS.
Quanto à tese, ficaram vencidos a Ministra Nancy Andrighi o Ministro Paulo de Tarso Sanseverino e o Ministro Moura Ribeiro entendendo que o rol de ANS exemplificativo e no julgamento do caso concreto, a Seção aqui nesse caso, por unanimidade rejeita os embargos de divergência.”
Vale lembrar que Organização Mundial de Saúde (OMS) define saúde como “um estado de completo bem-estar físico, mental e social e não somente ausência de afecções e enfermidades”.
Também não é possível esquecer que as empresas prestadoras de serviços de saúde estão sujeitas às regras da Lei 8078/90 Código de Defesa do Consumidor, que continuarão a ser apregoadas toda vez que houver uma infração. Essa decisão na verdade não impedirá que as demandas judiciais continuem acontecendo, o que não haveria se tivesse sido pelo rol exemplificativo.
Vale ainda ressaltar que as limitações de procedimentos, como é caso de terapias para TEAS, estão superadas, ou seja, não podem ser limitadas. Há ainda discussões sobre a cobertura de alguns tipos de tratamentos, discussões que ainda perdurarão por algum tempo. O que certamente tomará corpo com a mobilização social capaz de mudar votos, mudar leis, mudar rol da ANS.
A integra dos votos podem ser vistos nesse link https://www.canalautismo.com.br/noticia/com-ampla-maioria-stj-define-rol-taxativo-para-cobertura-de-planos-de-saude/