O momento atual de apreensão vivenciado em razão do novo coronavírus (Covid-19), pode extrapolar a questão da saúde e economia, pois em muitos casos, torna o lar que deveria ser o local mais seguro, em um lugar assombrado pelo medo. Não é novidade que a violência doméstica assola muitos lares, estando presente no cotidiano de muitas mulheres.
O isolamento social utilizado como forma de prevenção à propagação do vírus, pode ter agravado o risco de violência contra a mulher? Aumentou o tempo de conivência no âmbito familiar, o agressor que antes saía para trabalhar, agora está trancafiado ao lado da vítima, sendo que qualquer atrito é motivo para gerar tensão, cominando no ato de violência. E nesse caso, não é somente a violência física ( que afeta a integridade ou saúde corporal), na maioria das vezes ela é antecedida por outros tipos como por exemplo a violência psicológica.
A violência psicológica é entendida como qualquer conduta que cause dano emocional e diminuição da autoestima. Atos que prejudiquem e perturbem o pleno desenvolvimento, degradando ou controlando as ações da mulher. Isso se dá através de ameaça, constrangimento, humilhação, perseguição, chantagem e limitação de liberdade.
Temos também a violência moral, caracterizada por qualquer conduta que enseja calúnia, difamação ou injúria. E não para por aí, já que existe a violência patrimonial com a retenção, subtração ou destruição parcial ou total dos bens da mulher, como por exemplo, instrumentos de trabalho. E por fim, chegamos à violência sexual, concebida por qualquer conduta que constranja a mulher a praticar, a presenciar, a manter ou participar de práticas sexuais contra a sua vontade, mediante manipulação, ameaça e/ou uso de força.
Cabe à mulher conscientizar-se do ciclo de violência a qual é submetida, para conseguir sair dessa situação de vulnerabilidade. Esse ciclo é composto de três momentos distintos. O primeiro é configurado pelas tensões cotidianas acumuladas pelo agressor, que pode ser agravado pelo uso de bebida alcoólica ou demais drogas. O período de quarentena vivenciado por todos nós também tem influenciado muito nos ânimos, tornando a convivência familiar cada vez mais difícil, fazendo o lar um lugar muito perigoso.
O segundo momento é a manifestação da violência, seja ela em qualquer uma das formas acima descritas. O terceiro momento é conhecido como “Lua de Mel”, oportunidade em que o agressor manifesta o seu arrependimento, tentando pedir desculpas, afirmando que seu comportamento agressivo nunca mais irá acontecer. O que sabemos tratar-se de uma mentira, pois o ciclo se repete.
O estranho, é que desde o início do período de isolamento social os números de casos de violência contra a mulher reportados aos órgãos competentes caíram. Segundo o jornal “O Tempo”, na cidade de Belo Horizonte a queda de ocorrência no mês de março de 2020 em comparação com 2019 foi de 23%. Já em Minas Gerais a redução atinge os 13,1%. Enquanto em março de 2019 foram registrados 1.663 ocorrências na capital mineira, em março de 2020 foram 1.275. Já no Estado, em março de 2019 foram 13.561 casos, e no mesmo mês de 2020 foram registrados 11.774.
Mas, se a tensão nos lares tem aumentado em face do isolamento social, como é possível existirem números tão abaixo da média em relação as ocorrências registradas? A conta não fecha! Isto pode se dar pelo fato de as mulheres estarem evitando denunciar os casos de violência, seja por medo do agressor, ou por medo de contrair o Covid-19.
É importante que a mulher saiba que é possível pedir ajuda, mesmo nesse período atípico, pois, as Delegacias Especializadas em Violência Contra a Mulher, estão funcionando normalmente. Na falta delas é possível procurar qualquer delegacia ou o canal do disque denúncia através do número 180, onde aliás, qualquer pessoa pode realizar a denúncia. Não existe essa estória de que “em vida de marido e mulher não se mete a colher”, qualquer tipo de violência familiar e contra a mulher deve ser reportado sim.
A Lei Maria da Penha (11.340/06) foi um importante avanço no combate à violência doméstica e familiar contra a mulher, implementando medidas para assegurar o bem-estar e a segurança dessas vítimas. A medida protetiva de urgência é uma delas, possibilita o afastamento do agressor do lar ou da convivência da mulher agredida. Tal medida também pode suspender o porte de arma do agressor, se for este o caso, assim como permite o distanciamento da vítima. O juiz pode, inclusive, determinar a restrição ou suspensão de visitas aos dependentes menores (filhos).
Mas a verdade é que a Lei sozinha não é suficiente para erradicar a violência contra a mulher, é preciso uma ação conjunta, onde a mulher encontre apoio psicológico, jurídico e social. Esse trabalho já vem sendo desenvolvido por algumas instituições, como é o caso do Centro Risoleta Neves de Atendimento à Mulher (Cerna), localizado na região metropolitana de Belo Horizonte. Ele é especializado no atendimento de mulheres em situação de violência doméstica, atuando no acolhimento, orientação e acompanhamento, além de proporcionar atendimento psicológico, individual e em grupo, visando o rompimento do ciclo de violência e promovendo a autonomia das mulheres.
Uma vida sem violência é um direito de todas nós mulheres. Faça valer o seu direito!
Esse foi o link que utilizei para os dados estatísticos: