Toda separação dói.
“O poeta é um fingidor, finge tão completamente, que chega a fingir que é dor, a dor que deveras sente. […]” Fernando Pessoa.
Ora, o poeta de forma geral fala de abstrações inseridas no concreto de nossas vidas. Utiliza-se de uma linguagem poética para falar com leveza daquilo que dói e que faz parte do caminhar de cada um. Quem nunca sentiu algum tipo de aborrecimento, constrangimento, dor, decepção, frustração nas questões amorosas de casal?
Os casais dividem seus momentos mais íntimos, sonhos, projetos e muitas vezes abrem dramas de passado entre si. A confiança parece que nunca vai acabar, que serão sempre dois em um, como disse o sacerdote um dia. Mas e quando a relação começa a sofrer modificações , tornando o ambiente austero e a comunicação difícil entre aquele casal?

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Como disseram os poetas Carlos Brandini Cartier, Paulo César Feital e Carlos Costa em seu clássico Saigon de 1975, tão bem interpretada nas vozes de Emílio Santiago e Bete Carvalho – “Tantas palavras, meias palavras, nosso apartamento, um pedaço de Saigon. Me disse adeus no espelho com baton[…]”., o lar se torna um campo de guerra ,as palavras se tornam cortadas, vão escasseando até os comunicados não serem mais verbais, e sim recados no espelho, na geladeira ou em qualquer lugar. A comunicação cessa.
Quando isso acontece, pelo menos em tese, não há mais motivo para continuar junto e aí partem para a dissolução da união, que nem sempre vem de forma consensual e civilizada. Aí é muito comum vermos em um processo (que mesmo em segredo de justiça, se tornará de conhecimento dos operadores do judiciário, dos advogados, estagiários etc.), quando algum desejo não é devidamente satisfeito, a parte fazer a exposição daqueles segredos divididos em momentos de confidencialidade e partilha.
O amor lá de trás adoeceu!

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Chico Buarque e Cristóvao Bastos falam de uma relação que adoece, mas que pode se tratar e quem sabe retomar sob nova base. Eles dizem na música Todo Sentimento de 1987- “Preciso não dormir até se consumar o tempo da gente. Preciso conduzir um tempo de te amar, te amando devagar e urgentemente. Pretendo descobrir no último momento, um tempo que refaz o que desfez. Que recolhe todo o sentimento e bota no corpo uma outra vez.
Prometo te querer até o amor cair doente, doente. Prefiro então partir a tempo de poder a gente se desvencilhar da gente. Depois de te perder te encontro, com certeza, talvez num tempo da delicadeza. Onde não diremos nada, nada aconteceu. Apenas seguirei, como encantado ao lado teu”.
Depois de mais de duas décadas trabalhando na advocacia de família, pude observar o quanto os relacionamentos adoecem e as pessoas não tentam tratá-lo. Às vezes, apenas um do casal o faz, o outro permanece firme em sua posição. Mas quando a relação vai para o CTI, a dor faz gritar aqueles que se achavam mais insensíveis a isso. Obviamente que em cada um se manifesta de uma forma diferente. Mas dói! Dói o abstrato, dói o concreto vez que a separação também implica em rescisão de contrato patrimonial onde todos perdem. Relacionamentos são perdidos pois, modifica-se a rotina com filhos, amigos comuns muitas vezes tomam lados, outros se vão para não ter comprometimento, parentes por afinidade se distanciam. Toda perda provoca um sentimento diferente em todos nós.
Eu já tive oportunidades de fazer separação e, quando isso ainda era possível, pedir a reconciliação do casal no mesmo processo tempos depois. Já tive a oportunidade de fazer divórcio de um casal e depois ser convidada para testemunhar o novo casamento civil deles, com direito à foto e tudo mais. Por que foi possível isso? Simplesmente porque o amor esteve doente, mas sarou!

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Daí retomamos a fala dos poetas o apartamento que era um pedaço de Saigon, após o afastamento que pareceu necessário, permitiu “descobrir no último momento, um tempo que refaz o que desfez”. E assim, depois de terem perdido um ao outro puderam se reencontrar naquele tempo de delicadeza, sem as cobranças do passado, tentando refazer a caminhada sob nova direção.
Agora, acompanhando sessões de mediação, onde o olhar se volta muito mais para o humano dando-lhe a autonomia para suas decisões (e menos para a aridez jurídica), posso ver quão grandes são as possibilidades de ajudar as pessoas verem a si e à outra tomando a partir daí, decisões por si mesmas de formas mais leves e acertadas, menos dolorosas.
Quiçá encontrem meios para curar o amor que estava doente, mesmo que agora em outro formato?