Eleições nos Estados Unidos da América
Todos temos acompanhado com atenção o desenrolar da apuração nas eleições americanas. De certa forma, a demora na apuração americana nos causa estranheza por apresentar um certo ar de desorganização e arcaísmo no sistema de votação. Claro que é inevitável a comparação com o nosso sistema de votação e apuração, que consegue, no mesmo dia e em poucas horas, divulgar o resultado de um país continental com 140 milhões de eleitores.
Uma das grandes diferenças é que no Brasil o controle das eleições é feito em âmbito federal. O TSE é o responsável por toda a logística das eleições. Isso facilita uma certa homogeneidade no processo e, com uso de tecnologia das urnas eletrônicas, traz mais agilidade na apuração.
No sistema federalista americano, cada estado tem autonomia para definir a forma como as eleições devem ocorrer. Não há um órgão federal responsável pelo processo como é o caso do Brasil. Por isso, vemos diferenças nos procedimentos. Inclusive há a possibilidade de votação por correio de forma antecipada. Há que ressaltar que esta possibilidade causa muita estranheza aos brasileiros, que culturalmente desconfiamos das nossas instituições e da honestidade dos nossos compatriotas.
Fato é que temos a tendência no Brasil de nos consideramos uma democracia consolidada medindo apenas o fato de termos eleições livres e uma apuração eficiente. Este fato é até compreensível pensando que a história brasileira não é marcada por períodos democráticos longos. Sempre tivemos períodos alternados entre maior liberdade democrática e períodos de maiores restrições. Isso faz com que nossa cultura democrática seja muito baixa e que o simples fato de poder votar seja considerado a própria democracia em si.
Ocorre que estas características colocadas acima são apenas uma faceta de uma democracia. Apesar de parecer que os americanos são mais desorganizados em seu sistema eleitoral, temos muito que aprender com a cultura cívica de respeito à democracia como valor máximo de uma sociedade.
Aparte dessas diferenças históricas entre Brasil e Estados Unidos, é de suma importância reconhecer os efeitos que a eleição possui para o Brasil e o mundo. Mesmo com a indefinição da eleição americana, com a tendência de vitória de Joe Biden, já é possível antever os reflexos dessa vitória no Brasil.
Primeiro, é necessário ressaltar que, apesar da derrota do presidente Trump, o trumpismo sai fortalecido das eleições americanas. O trumpismo na verdade é um estilo de fazer política que ganhou força nos Estados Unidos e inclusive no Brasil com eleição de Bolsonaro. Este estilo aposta no acirramento dos conflitos sociais, desinformação através das fake News e uma tentativa de desacreditar a imprensa, as instituições e o próprio processo democrático. Basta ver no mapa de apuração que a fratura social americana está mais viva do que nunca. Certamente, o próprio Trump, ou outra figura que ainda nem conhecemos, tentará herdar a massa de seguidores dessa nova forma de fazer política.
Quanto à iminente vitória de Joe Biden, podemos antever algumas consequências para a relação Brasil-Estados Unidos. A consequência mais clara é a mudança no tom quanto à questão ambiental brasileira, vez que, inclusive, pela primeira vez o Brasil foi citado em um debate presidencial.
Biden no primeiro debate presidencial deixou clara sua preocupação com o desmatamento da Amazônia e sinalizou para criação de um fundo bilionário para preservação da floresta. Neste ponto podemos esperar também uma maior pressão internacional do Estados Unidos sobre a questão ambiental do governo brasileiro. Esta pressão soma-se à crescente cobrança da comunidade internacional sobre medidas mais contundentes do governo brasileiro para a preservação ambiental.
Outra consequência esperada é que o Brasil, que já está isolado internacionalmente, fique ainda mais sozinho nas suas pretensões de políticas externas. Apesar de um apoio dúbio de Trump às pretensões internacionais brasileiras, há mais afinidade com este governo do que o futuro governo Biden.
Outro tema em que o Brasil pode jogar um papel muito importante é com a disputa Estados Unidos – China. Todos nós acompanhamos com atenção a retórica de Trump com ascensão da China como potência. Um dos capítulos dessa disputa é se o Brasil irá adotar o modelo 5G de telefonia móvel chinês ou americano. Sendo honesto, tanto Biden como Trump não veem com bons olhos o crescimento Chinês.
O Brasil é um aliado estratégico americano na disputa com a China pelo peso que possui na América Latina e por estar diretamente na área de influência americana. O que irá mudar será a forma do discurso. Se Trump apostava no confronto direto com a China, inclusive com eco no governo brasileiro que, nos últimos tempos, também criou conflitos diplomáticos com a China pela declaração de alguns ministros, agora o enfoque será diferente.
Biden , apesar de não se alinhar ideologicamente com Bolsonaro, irá buscar a negociação, para manter o Brasil sob sua influência. Inclusive, já demonstrou esta faceta aos brasileiros quando veio ao Brasil pessoalmente durante o governo Dilma tentar convencer os brasileiros a comprar caças americanos. Contudo, o governo brasileiro preferiu os caças suecos pela possibilidade de transferência de tecnologia.
De forma geral, espera-se uma postura mais crítica do governo Biden ao Brasil. Isso também provocará uma mudança no governo brasileiro, que apostava em um alinhamento natural com Trump pelo estilo de fazer política do presidente americano que é muito similar ao adotado pelo governo brasileiro.